sexta-feira, 24 de outubro de 2008

E só o brilho calmo dessa luz...

O planeta calma será Terra, o planeta sonho será Terra
E lá no fim daquele mar a minha estrela vai se apagar
Como brilhou, fogo solto no caos
Aqui também é bom lugar de se viver
Bom lugar será o que não sei, mas será
Algo a fazer, bem melhor que a canção mais bonita que alguém lembrar
A harmonia será Terra, a dissonância será bela
E lá no fim daquele azul os meus acordes vão terminar
Não haverá outro som pelo ar
O planeta sonho será Terra, a dissonância será bela
E lá no fim daquele mar a minha estrela vai se apagar
Como brilhou, fogo solto no caos...

(14 BIS - Planeta Sonho).

A vitória.


Todos nós pertencemos ao planeta Terra, mas quando se está dentro de um navio, é como se participássemos ativamente do mundo. São tantas línguas, etnias, cores e culturas diferentes que ficamos felizes e tristes ao mesmo tempo. Simulando, é igual estar no meio do Viaduto do Chá, em São Paulo, parado no meio da multidão enquanto pessoas vão e vem, correndo contra o tempo e contra seus destinos. 4.000 criaturas a bordo, mas não para sempre. Um cruzeiro termina, outro começa e a infelicidade da solidão penetra em nossos corpos fazendo-nos chorar. Estamos a todo instante rodeados de gente, mas gente que quer sentir de você uma delicadeza, um sorriso, uma prestação gentil. Por fora, só alegria; por dentro, um vazio do tamanho do oceano. Minha família são meus colegas de função. São por eles e para eles que desabafo e empresto o meu ombro para a tão contínua angústia. Mas eu gosto: estou ganhando meu dinheiro, aprendendo a ser homem, crescendo e ajudando a empresa que apostou no meu trabalho.

Sinto saudade de todos, mas não vou desistir. Para àqueles que não acreditaram no meu potencial, estou numa das funções mais desejadas dentro de uma embarcação e adoro o que eu faço, apesar do cansaço. Durmo na Itália, acordo na França e janto em Israel. Estou muito feliz conhecendo pessoas lindas e aprendendo italiano.

Obrigado aos que choraram na minha despedida, ou simplesmente só pelo fato de terem me escrito algo carinhoso, me presenteando com um singelo abraço. Obrigado, obrigado, obrigado.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

A névoa.


Brasileiro é um bicho muito preguiçoso. Oito horas de trabalho por dia, com horário de almoço e domingos? Isso não me pertence maaaaaais! Começamos nossa jornada bem cedo. Acordar, tomar banho, escovar os dentes, pentear os cabelos, vestir o terno, dar uma ajeitada na cabine e ir tomar café da manhã são coisas complicadas quando não se quer acordar seu companheiro que, assim como você, está exausto. Mas tudo vai indo muito bem aqui no Mediterrâneo. Além do frio, uma névoa densa cobre tudo a nossa volta, um cenário perfeito para algum filme de Stephen King. Nunca se sabe o que pode sair de tamanha nebulosidade: um monstro, uma alma, uma Moby Dick faminta por tripulantes inocentes. De repente, ficar parado a ver as gotículas que se acumulam no casco da embarcação se tornou um programa bem tétrico. Sonho com marinheiros saindo correndo de portas-estanques repletas de fogo e camareiras-cadáveres doídas pelos passageiros que ainda não foram infectados pela praga oceânica. Sonho com um comandante que sai de sua Bridge todo ensanguentado, um sangue fresco e viscoso. Alguns que ainda pulam do décimo deck, no meio do ar, sem saber quando baterão com seus rostos gelados de pavor na superfície. Crianças aos prantos são jogadas de lado, puxando as saias de suas mães já hipnotizadas pela febre. Alguns filipinos, responsáveis pela segurança, saltam dos turcos, arrancando as cabeças de alguns outros. Baleeiras caem, corpos são arrastados e colocados à deriva. Um homem magro, barba feita, terno e logotipo dourado da Cia. na lapela, carrega uma garrafa de uísque cheia e bebe grandes goladas antes de arremessá-la contra um homem musculoso, de uns 25 anos. O rapaz da garrafa se abaixa, vê o sangue e arregaça a camisa do sujeito machucado. Suga da jugular, se lambuza enquanto o homem, ainda vivo, ensaia suas últimas palavras: "Deixe-me em paz." O vampiro, não satisfeito, se agarra num garoto de uns 14 anos que tenta fugir dos pássaros negros que salpicam um tipo de gosma verde no convés. "Venha...aqui!" e, ainda deitado, rasga a bermuda do menino e o suga pela virilha, apertando-o o pênis. Sabe você, vítimas fogem a todo momento.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Um recado aos amigos. (Carta fictícia)


Fabi, minha amada amiga, dê esse recado para o pessoal.
Leia para todos, se possível:

"Buona sera! Infelizmente, adorados companheiros de classe,
não pude me despedir de vocês porque fui um dos 15
selecionados para trabalhar na equipe de shopping do
navio MSC Sinfonia e precisei correr contra o tempo.
Embarquei com uma mala média e uma mochila, só isso.
Por aqui está tudo bem e faz frio. Nesse exato momento
estou em Marselha e em poucos dias voltarei à Veneza,
Bari, e conhecerei até o Marrocos. Estou muito feliz! Falo
em italiano 24 horas por dia e aprendo uma palavra nova
a cada meio minuto. Trabalho na perfumaria e essa é a
loja que mais enche de turistas. Paramos dois dias
"no seco" para fazer a manutenção do navio, e nesse
período é quando mais nos esforçamos, carregando caixas
cheia de whisky e outras bebidas pesadíssimas. Minha
roupa de trabalho: terno. Meu companheiro de quarto é
um italiano de Genova muito simpático de 19 anos. Como
sou staff (a elite do navio) podemos usar a internet a todo
momento e descer nos portos para tirar fotos, já que o
shopping não abre quando estamos atracados. Além dessas
regalias, ainda como com os oficiais náuticos, não é um luxo?
Peço perdão mais uma vez a todos e não faltarão
oportunidades para vê-los novamente. Um beijo para a
melhor professora de italiano do mundo e para à Edna que
me deixou muitas saudades.

Arrivederci, amici. Dopo ci parliamo!

Ewandro Pallottini."

terça-feira, 21 de outubro de 2008

A participação especial: Patrícia Hortolani.


Convidada a escrever algo antes de seu embarque, uma grande amiga, Paty, presenteou todos nós com uma escrita pra lá de emocionante. Paty, te adoro e espero estar contigo na nossa tão sonhada jornada. Boa sorte!

"Meu nome é Patrícia Hortolani e estou numa batalha que parece
não ter fim há mais ou menos 6 meses. Tudo por causa de um
barquinho!! Um barco que dá trabalho...
O mais impressionante é que nesses 6 meses eu me descobri
Sempre corri atrás de meus objetivos com fé e dedicação, mas
dessa vez foi diferente, pois além desses dois ingredientes
apareceu muita coragem, esperança, garra, uma luta que
não foi só minha, mas de muitos. Meus pais Cláudio e Rose
que quase ficaram loucos com minha ansiedade, minha
irmã Débora que sobretudo nesse período me incentivou a
ir em frente e não desistir por nada nem ninguém e toda
família que sofreu sorrindo ao meu lado desde meados de
abril de 2008. Nesse período, conquistei amigos com o
mesmo objetivo, objetivo esse que nos manteve fortes até o
momento que todos esperavam, ouvir estas palavras:
“Parabéns, você passou!” . Enfim, foram dias que eternizaram
momentos, pessoas e palavras.

Agradecimentos:
Débora Hortolani, Claudemir Hortolani, Rosemary Hortolani,
Gabriela Valente, Plínio Freitas, Rogério Freitas, Rodrigo Alves,
Gerselene Arantes, Adrielly N. Santos, Ana Lúcia Rente,
Larissa Mihaleff, Ewandro Pallottini, Fabrício Britto, Juliano
Campos, Raphael Garcia, Gustavo Feijó, Sarah Regiane,
Karin Matheus, Diogo Teixeira...nossa, realmente tem muuuuita
gente querida que não iria caber aqui!!! Mas aqueles que
contribuíram para chegar até aqui sabem e eu só quero dizer:
OBRIGADO, SEM VOCÊS NÃO SERIA POSSÍVEL!

“Um dia eu ouvi que nada vida nada é por acaso. E se esse acaso
me pegou de jeito, o que eu podia ter feito senão me jogar?
Fazer da vida um desafio todo dia, sem pensar, eu quero
mergulhar nesse mar! Navega, que a tempestade não me pega
e agora quem comanda o leme do meu barquinho de emoções...
sou eu! Não adianta perguntar, nem insistir nem apagar...o que
o destino faz questão de me mostrar!”"

Contagem regressiva.


"Quem parte leva saudade de alguém,
que fica chorando de dor
Por isso, não quero lembrar
quando partiu meu grande amor
Ai ai ai ai, tá chegando a hora
O dia já vem raiando, meu bem
Eu tenho que ir s´imbora
Ai ai ai ai, tá chegando a hora
O dia já vem raiando, meu bem
Eu tenho que ir s´imbora".
(Está chegando a hora - WILSON SIMONAL).

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

O sonho.


Fui fazer uma visitinha na Fatto hoje para pegar minha passagem. Esperei minha vez e entrei na sala, superesperançoso. O Fabrício mexia em alguns papéis e finalmente disse o que eu queria ouvir: "Seu embarque já saiu". Ótimo! Ótimo mesmo! Air France, 17h30 São Paulo/Paris Paris/Genova. Opa, parece que as coisas estão começando a esquentar. Saí da agência todo feliz e tive ainda o prazer de conhecer algumas pessoas que iriam no mesmo vôo que eu. Não é demais?! Conheci uma amiga de uma amiga minha, me encontrei com a Dani que iria viajar dia 23 e desci o elevador para contar a novidade. O que eu achei meio estranho é que cancelaram o serviço de translado para os tripulantes da MSC. Teremos que pegar um táxi quando chegarmos em Genova (seremos reembolsados pela companhia depois) e achar onde o bendito navio estará atracado em DryDock.
Bom, hoje ainda é segunda-feira e creio estar com quase toda a bagagem pronta. Roupas, ternos, xampús, condicionadores, produtos de higiene, números de telefones úteis, 3 despertadores (os mais potentes encontrados), dinheiro e muita vontade de trabalhar.

Que minha nova casa, o MSC Sinfonia, seja um lugar agradável e que eu faça muitos companheiros lá durante a minha estada.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

O atraso.


Eu devia ter chegado em Gênova hoje pela manhã, mas ontem, no workshop da agência, me disseram que minha passagem não viera. Duas amigas que estão no mesmo posto que eu embarcaram ontem, mas por falta de passagem ou devido ao grande número de tripulantes, fiquei sem minhas passagens. Por fim, hoje ligaram cá em casa e me informaram: meu vôo foi remarcado para dia 26 de outubro. Devo pegar o boarding pass segunda-feira. Por um lado é bom, porque fiquei mais um tempinho aqui com minha família, mas por outro lado foi ruim porque receber uma notícia dessas na véspera de seu embarque, é jogo duro. O jeito agora é sentar e esperar. Só vou ficar tranquilo quando finalmente estiver com as passagens na mão, esperando para entrar no saguão aéreo. Já viajei de navio e avião, e por isso não terei problemas com esse tipo de coisa. Ficar dentro de uma "caixa" durante 13 horas e ainda ser submetido à uma conexão não é um grande prazer, principalmente quando se está na classe econômica.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

A partida.


Estou partindo. Enfrentarei as fúrias mais violentas da descoberta, tendo como dor maior as correntes marítimas que me puxam. Minha vida deixo aqui para quem quiser lê-la, e parto no meio das brumas, segurando o leme com toda a garra. A bússola me orienta a ser feliz no meu convés desolado. E navegando pelos mares da saudade, meu coração chora à deriva. Sou marinheiro, sou poeta, sou a visão cega do náufrago e a esperança futura. Envio uma mensagem nessa garrafa e só consigo ver as ondas que a arrastam para longe, até sumir no horizonte. Espero que a encontrem, que possam compartilhar comigo minhas alegrias e tristezas. Vai, aqui fico eu. Não, não me afogarei em minhas próprias lágrimas. Se me der vontade, correrei para algum canto isolado da proa, longe de todos os olhos, até dos divinos. Entre âncoras, amores e experiências nunca antes vividas, me afasto desse porto...

sexta-feira, 10 de outubro de 2008


SEIS DIAS PARA O EMBARQUE. O CORAÇÃO NA MÃO, PENSAMENTO LONGE...

A notícia!


Passei! Sou, eu, um dos 20 selecionados para trabalhar na equipe de shopping do navio MSC Sinfonia. Queria que tivessem me colocado no MSC Musica, mas não porque ele é o mascote da temporada brasileira, e sim porque, além de saber que minha família viajará nele em março, todos os meus amigos do STCW estarão lá. Um por um eles foram indo embora. Depois de me despedir de quase todo mundo daquela incrível turma que marcou a Zorovich & Maranhão, chegou a minha tão esperada vez. É minha vez de mostrar tudo o que sei de melhor, de impressionar e mostrar o porque d´eu estar ali. Fui competende em todas as minhas trajetórias e consegui chegar lá. Os mares do mundo que aguardem agora, Ewandro Pallottini está partindo de terra firme. Uma nova vida, nova família, novos ares, objetivos e dificuldades tremendas estão por vir. Rezo e peço que rezem por mim com toda força. Eu volto, é demorado, mas eu volto.


Bom, já vou indo. Está na hora de passar o meu terno, arrumar minhas meias na poltrona e ser feliz, não importa o quanto isso me custe. Vocês vão encontrar daqui pra frente um cara desesperado, um peixe fora d´água, uma pessoa cheia de dúvida e questionamentos. Mas nada como o tempo para nos ensinar como se portar nesse meio náutico de descobertas.

Marinheiros, aí vamos nós! Peguem suas bagagens, seus coletes e ao trabalho!

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

A Resposta.


A ansiedade era tanta que não pude aguentar até me ligarem dizendo se eu tinha passado ou não na tal entrevista. Esperei dois dias, e esses me soaram como dois anos. Antes disso, conversei com algumas pessoas que tinham atravessado o mesmo nervosismo. Uns reprovaram, outros passaram. "Setenta pessoas, mas só escolheram quinze", "Quarenta entrevistados, três ficaram na reserva, quinze passaram e o restante foi pra casa". Esses foram alguns dos comentários. As fofocas correm igual a veado fugindo de onça, e não era por mal que tais afirmações viessem à tona. Numa única firma onde todos esperam pelo mesmo cargo é normal coisas assim acontecerem. Pensei estar atrasado, que talvez fossem dar o.k somente para as dez primeiras pessoas que ligassem, como naquelas promoções da TV do tipo George Foreman Supergrill. Os Dez Primeiros Telefonemas Têm 15% De Desconto Na Compra E Ainda Levam Pra Casa Esse Maaaaaaravilhoso Pote Para Acúmulo De Gordura. E Você? É, Você Mesmo, Ewandro! Ligue Agoriiiiinha Mesmo Para a Fatto, Faça Sua Reserva Antes Que Seja Tarde. O Embarque É Amanhã!

Sim, era loucura! Estava pirando na batatinha, totalmente hipnotizado para saber a resposta. Parecia que todos tinham passado e que, provavelmente e matematicamente, eu iria sair perdendo. Peguei o telefone, tateei o fio como um cego, teclando no meu consciente. Era tudo ou nada. Liguei. Um, dois, três, quatro toques! Quando já estava quase desistindo, ouvi uma voz:

"- Marzia. Fatto Brazil, boa noite" - notei um sotaque italiano na tal voz.
"- Boa noite! Oi... meu nome é Ewandro e eu fiz uma entrevista para a função de shop seller semana passada aí na agência. Por acaso a lista de aprovados já saiu?"
"-Sim, está aqui comigo".
"-Meu Deus..."
"- Como?"
"- ..."
"- Oi?
"- Ah, sim... meu nome é Ewandro Pallottini. Você pode ver se meu nome está na lista, por favor?"
"-Claro, um minuto. (...) Ewandro?"
"-Já sei, reprovei".
"-Tá sentado?"
"-Sim, porquê?"
"-Parece que sua festinha de despedida vai precisar ser antecipada. Você PASSOU!"

Passou, passou, passou, passou, passou, passoupassoupassoupasssasspaspsoposo...
"-Peraí, Marzia - tampando o bocal do telefone - PORRAAAAAAAAAAAAA!!!

Marzia, nunca me esquecerei de você. Grazie.

Descobridor dos sete mares. Navegar eu quero!


O começo.



Olá! Meu nome é Ewan Pallottini, tenho 20 anos e por livre e espontânea vontade resolvi fazer uma coisa que poderá mudar temporariamente ou para sempre a minha vida. Mas como a vida é cheia de escolhas, essa, do ano de 2008, foi uma delas. Não, não vou ser pai, não estou envolvido com drogas ou tampouco matei alguém e estou sendo procurado. Já fiz 2 cruzeiros marítimos e amei. Estar a bordo de um navio de luxo é uma experiência magnífica, e aconselho qualquer um ir a fazer um passeio por terras tão interessantes. E foi por causa desse meu amor pelo mar que resolvi morar num navio. Trabalhar, fazer amigos, conhecer lugares, crescer profissionalmente e idealizar a pessoa que existe dentro de mim. Nem parece, mas já faz 6 meses que estou tentando ingressar nessa carreira. Cursos de Hotelaria e Turismo, agenciamentos, entrevistas, workshops, brigas, risadas etc. Para todos que estão me lendo agora podem ter a certeza que é uma tarefa árdua chegar onde cheguei, onde tantos chegaram como eu. STCW (curso de segurança marítima) foi uma das coisas mais legais que já me aconteceram. Além de ter aprendido bastante sobre diversas situações dentro de um navio, fiz amizades que, certamente, serão para toda a minha jornada. Acho que é a carência, a curiosidade, a vontade de se ligar a alguém que, literalmente, estará no mesmo barco que a gente. Muito divertido, além de já ter provado um pouco com esses 5 dias dentro de uma sala de aula, - ter pulado de uma plataforma, ter entrado dentro de um balsa, nadado metros de costas, apagado fogo com uma mangueira de incêndio de verdade, saber usar um extintor sem ficar com medo - que a união faz a força e que precisaremos ser perseverantes daqui pra frente. Fui atrás! Falo inglês fluente e tenho aulas de italiano 1 vez por semana na Societá aqui de Santos. Fiz uma entrevista com o recrutador responsável pelo envio dos tripulantes para a MSC. Meu sonho mesmo era trabalhar como recreacionista dentro da "grande cidade flutuante" . Meu currículo foi enviado para a Itália, mas infelizmente dessa vez não fui chamado (e olha que meu currículo artístico é bom!). Talvez a forma como escrevi não estava lá muito correta. Enfim, para esse ano não haveria mais vaga para a função que eu tanto almejava. O Fabrício, recrutador da Fatto, disse para eu esperar um pouco, e perguntou se eu não gostaria de tentar um outro cargo. Eu, comunicativo e um amante da persuasão, preferi trabalhar no shopping da embarcação. Afinal, já fui produtor de teatro e ter que pagar atores, fazer check out e listar horários para os ensaios e diretores é, acho eu, mais fácil do que conversar, vender, ser delicado e organizado (já sou por nascença). Semanas atrás o Concais (salão de embarque de passageiros - um aeroporto, mas de navios) me ligou perguntando se eu não estaria enteressado em ter uma conversa com eles. Recusei dizendo que já estava empregado, muito obrigado. Nada iria fazer desistir do meu sonho. Por fim, chegou o grande dia com a representante da MSC italiana, Francesca Sartori, que veio ao Brasil especialmente para escolher as pessoas para fazer parte da área de shopping dos navios da companhia. Não sei ao certo quantas pessoas participaram da chamada, mas no meu dia tinham umas 7, uma mulher e o restante homens. Todos bem trajados, impecáveis na vestimenta. Cabelos penteados, ternos passados, barbas feitas, suor escorrendo pela testa, nervosismo à flor da pele. Nervoso o tanto... parecia que ia estrear em algum musical daqueles do Mel Brooks ou Bob Fosse. Entrou um (primeiro A dama), depois o outro, depois mais outro, depois eu. Foram perguntas e mais perguntas, todas em inglês. Arrisquei um pouco de italiano e parece que me saí bem, apesar do pouco tempo de estudo. Minha mãe me ajudou também para os preparativos. Sentei, esperei as anotações da Francesca e contei um pouco de mim, da minha vida no teatro, dos cursos que tinha feito, de marcas famosas, de minhas viagens, de minha descendência, de minha vontade de estar empregado e da minha garra. Ela ria, e eu não sabia se era por estar gostando ou não. De qualquer forma, dei o meu melhor. Entendi tudo e respondi com muita calma. Peguei um colar simulando uma venda e disse que iria ficar muito bem nela, uma senhora elegante. Que poderia lhe fazer um pacote bem bonito para presente e que aquele era, sem dúvida, o boom da estação em toda a Europa, uma verdadeira jóia, último modelo da Yves Saint Laurent. "O resultado sairá em alguns dias", disse ela, ao fim da entrevista, apertando a minha mão e olhando para os meus olhos. Saí da sala. "Few days. Few days. Few days". Essas palavras não me deixam mais dormir.